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  • Mari Ferreira

A LENDA


Aquele que está criando ú rap, pra ver se ú rap ainda lhe cria


Alendasz, um pior da turma transatlântico que carrega o crime na cor nas margens do fim do mundo-Bahia, segue nu varejo de literatura e rap, desenvolvendo artes abstratas e se construindo como um negreiro, um sonhador na zona da morte. Etimologicamente, uma lenda é uma narrativa transmitida oralmente para explicar um fenômeno, algo extraordinário, muitas vezes temido. Nos escombros do underground baiano, ALENDASZ é essa presença da voz arrastada de menino formado por influências de ladainhas, de músicas pretas, de oralidades e corporeidades. Condutor de distopias e arquivos de memória.


Com timbre de voz totalmente diferenciado, original e cheio de uma cadência temperada de vivências e verdades, ele é um MC historiográfico, um cronista e um dos maiores liristas da última década do rap baiano. A lírica, o flow e a poesia d'Alenda traçam e delineiam o cotidiano periférico. Letras que transcendem sua experiência pessoal, letras que acessam e dialogam com os corpos pretos dos cativeiros do interior da Bahia, pondo pra ler o mundo, ler o rap com toda a potencialidade e possibilidades de experimentação.


Para além de sua distinção artística, Lázaro também é articulador comunitário, filho de Val e Mari, neto de José e Matilde e de Tina e Dudui, é um historiador e um trabalhador da música e da educação. Esses são pilares importantes na construção de seus caminhos de arte, de música, de rap. Na lida com pessoas, narrativas, plantações, colheitas, memórias familiares, fotografias de pesquisas e do cotidiano há encontros de escritos de um coordenador de registros. Um trabalho muitas vezes arqueológico.


Uma encruzilhada que se forma e deforma como um cataclisma criativo. Sua discografia é um verdadeiro arquivo pulsante, legível e dançante sobre essas ruas, em alguns momentos as produções ganham tanta vida que se manifestam em seu próprio corpo. ALENDASZ é essa miscelânea em que a sua própria postura misteriosa e sublime é mesclada com sua efervescente discografia. Recentemente somou-se à essa gama o EP Sobre viver.


De forma sagaz o flow de ALENDASZ no EP Sobre Viver condensa ideias e vivências como quem brinca, conversa, com a mesma naturalidade com a qual respira. Sobre Viver tateia por entre a sobrevivência de organismos, organelas que se articulam e mantém a dinâmica de um corpo ou de vários corpos. Todo corpo preto nesse contexto sobrevive nessa dinâmica de matar e morrer o suficiente para continuar vivo, se mata o suficiente para dar conta da própria sobrevivência.

O EP estipula as mutilações que é sobreviver. É a visão de quem tá contrariando as estatísticas, de quem coleciona visões das visões de vários parceiros que já não estão entre nós, mas que deixaram legados, continuidades, famílias. É da voz cansada de anos de vidas e mortes arrastadas nas costas. Canta o sobrevivencialismo com toda sua violência e autoquíria.


Entre os caçados a vida corre, bate, machuca, convoca para confronto, para a autodeterminação e conflitos, e no EP, depois de toda essa engenharia de guerra chegamos aos Quartos escuros do mundo: os lugares de segurança, de dengo, de se recarregar de vontade de viver pra conseguir contra atacar, para minimamente construir relações táticas. Os Quartos Escuros é onde os filhos do Sol não precisam se defender de nada, onde amam, transam, falam sobre viver, planejam como viver bem. São os campos de segurança nesse território inimigo/brasil. Onde pode se perder e se encontrar entre nós, entre desejos, gozo, cumplicidade, lealdade e amor.

Ainda se lança como um manifesto sobre vivência para a alimentar a sobrevivência para cada irmão que tá no corre nesse submundo. O EP conta com feats de Mc Tico (in memoriam) e Filho do Sereno, Beat de Rasta (Silvano Clã Jamaica) e Mix e Master de Mk Lokoconsciente. Fazendo parte do passado Alendasz se lança ao futuro mesmo que o presente seja muito mais sobrevivência do que sobre viver, com a segurança de quem esteve antes, o EP Sobre Viver conclama ao futuro não numa perspectiva afrofuturista Wakandana infantilizada e apática, conclama o futuro com toda a distopia que nos cerca. Trama e tece caminhos, penetra nossas subjetividades com uma capilaridade orgânica de quem sabe conversar com cabeças e com quadris, de quem lida com múltiplas experiências de morte, com a ginga de quem sabe muito sobre viver.



 

OUÇA AGORA EM TODAS AS PLATAFORMAS O EP SOBRE VIVER

 



 


Sobre a autora:

Autora do livro de poesias DAREN (2021) e do livro de contos PIVA (2023),  coordenadora criativa e curadora artística. Também é artista multilinguagem, experimentalista e artesã da Balangandã. Articuladora cultural desde 2014, condutora da Biblioteca Comunitária D. Edite  Rodrigues, além de ser podcaster e editora do AKANNI podcast, gestora do acervo histórico-fotográfico e impulsionadora do Baile Pelo Certo e produtora do Baile Fuzuê. Coordena o  núcleo literário do UNIVERSO 75 e é Social Media do Ibori Studio. 


Estudante de direito da UNEB - CAMPUS XV,  integrante do Grupo de Assessoria Jurídica Popular (GAJUP - UNEB), bolsista de iniciação científica institucional pelo programa Afirmativa da PROAF - Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, pesquisadora com foco em raça, racismo e Guerra Racial de Alta Intensidade, ex-monitora do Projeto de Extensão Inclusão no Cinema. Além de habilitada em audiodescrição para redes sociais, eventos, palestras e artes visuais estáticas.



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