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-Tiamath O Dragão de Cinco Cabeças-

Alto do Cucuí de Caboclo 

Cachoeira - BA / Agosto de 2096


Quando Tiamath  abriu os olhos pela primeira vez  percebeu que era  divino. Durante muito tempo não teve uma forma física, muito menos espiritual, apenas existia no continuum espaço entre as zonas limítrofes do que viria ser o tempo. Milênios se passaram e por algum motivo até hoje desconhecido tornou-se o que os humanos chamam de divindade. Depois enclausuraram sua “existência” em cerca de mil e trezentas linhas escritas sobre sete tábuas de argila , cada uma com 200 linhas de texto: foi ai que surgiu o Enûma Eliš , o mito de criação  do antigo povo babilônico. Nesse épico um tanto simplório  Tiamath da a luz a primeira geração de outras divindades. Tem sete filhos que seu próprio  marido mata um por um por medo de usurparem seu trono. Tiamath então torna-se um dragão marinho que arrasa a existência em uma guerra enfurecida contra os assassinos de seus filhos. Depois de sua vingança completa, Tiamath é assassinada por um de seus filhos sobreviventes: Enki o Deus da Tempestade. Mas antes de morrer cospe  seus próprios pedaços e os enche de partículas divinas. Cada pedaço torna-se um dragão de cinco cabeças com um apetite  incontrolável por destruição.


Milênios  antes da era cristã  Tiamath foi  a deusa primordial do mar salgado acasalando-se com com  Abzû, o deus da água doce .  Era  o símbolo do caos e da criação primordial. Foi também a deusa criadora ao mesmo tempo  que  personificou  monstruosidades.  Já foi  uma serpente marinha . E tempos depois Tiamath tornou-se um  dragão de cinco cabeças. Milênios passaram, impérios ruíram, Deuses sucumbiram e outros tantos tornaram-se supremos. Tiamath simplesmente serpenteou  pela consciência caótica da humanidade copulando em seus segredos íntimos e fúrias contidas.


Tiamath percorreu o planeta Terra de diversas maneiras e assumindo diversas formas. Tornou-se  os medos de Nun, foi os pés cansados de Ísis em sua constante busca e, por muito tempo foi os desafios letais  das aventuras de Hórus e Seth.  O  escudo que resiste aos golpes  da ponta de uma  lança etíope, assim como as moscas na ferida putrefata. Durante séculos Tiamath assumiu a forma de  vários felinos de grande porte, caçando,  matando, sorvendo o sangue de suas  presas. Até que se cansou  de caçar em terra e submergiu nos oceanos assumindo a forma de um tubarão.


Foi mergulhando em profundidades abissais que Tiamath conheceu os Rokea: um antigo povo da costa sul africana  que possuía a  habilidade de licantropia: o povo tubarão. Rokea  são descendentes diretos primeiros tubarões: os primeiros  predadores nascidos no planeta Terra. Os Rokea são praticamente imortais, já que não podem morrer naturalmente. Uma vez que atingem a idade adulta, seu processo de envelhecimento é interrompido . E a única maneira de um Rokea morrer é através das garras de outro Rokea. 


Os Rokéa nascem  como seres humanos oriundos dos grupos étnicos Zulus, Xhosas, , Tswanas, Tsongas, Ndebeles e Suázis, que falam variações das línguas Bantu. Com o avançar dos anos , entre a adolescência e vida adulta, os jovens  Rokéa são iniciados nos segredos abissais por seus mais velhos e  passam a adquirir a habilidade de transforma-se em uma forma de tubarão bípede de mais de três  metros, combinando o poder mortífero  de um tubarão com a versatilidade/criatividade de uma forma humana. Entre os Rokéa  Tiamath chamava-se Mandla, que na língua Zulu significa poder. Durante séculos percorreu a costa sul africana, quando não estava submerso na forma de um tubarão, se misturava aos  humanos nas colônias de pescadores na costa Sul Africana. 


Depois de séculos como um pescador Zulu chamado Mandla,  Tiamath foi assassinado por outro Rokéa ; desmembrado e devorado. Tudo foi muito estranho, pois depois de milênios  foi a primeira vez – mas não a última – que encontrou a morte, que na época ainda não era uma senhora com uma foice, mas sim, um jovem e viril guerreiro berbere que se apresentou a Tiamath com o nome de Iku. Caminharam juntos por séculos, e a cada século Iku  assumia um novo nome ou mesmo nova  aparência. 


Foram tempos de aprendizado. Tiamath conheceu mais sobre si  mesmo, suas  origens cósmicas e sobre a existência de seres tão antigos  quanto a  própria noção de espaço, tempo ou existência. Também assumiu varias formas e nomes. Mas Iku sempre o chamava  de Tiamath e dizia que independente da forma que assumisse: de um gato, cavalo, furacão, terremoto ou mesmo como um rapper , o dragão de cinco cabeças em algum momento emergiria das profundezas para cuspir fogo.


Na década de 80 do século XX Tiamath torna-se  um personagem  anti-herói de um desenho animado chamado Caverna do Dragão . Nesse desenho animado Tiamath, a antiga Deusa Dragão da Mesopotâmia , foi reduzida a um imenso dragão de 5 cabeças que expelia  distintas  rajadas de fogo, ácido, raios, gás venenoso e frio ártico. Além desses “fantásticos “ atributos Tiamath  pode ainda teletransportar-se para múltiplas dimensões.


No episódio 20 os jovens protagonistas de Caverna do Dragão estão prestes a cruzarem um portal dimensional que os levariam de volta  para suas  casas,  quando o vilão máximo da serie animada – o Vingador -  destrói o portal . A frustração é tamanha  para os  jovens pupilos do autoproclamado Mestre dos Magos, que eles decidem enfrentar o Vingador e derrotá-lo de uma vez por todas,  buscando ajuda do ser mais temido de toda trama: Tiamath o dragão de cinco cabeças . 


Tiamath Revela aos jovens que suas armas mágicas são mais poderosas quando usadas no Cemitério dos Dragões. Essa é a última cena que  o dragão aparece na trama. Tudo foi um grande ardil, para que pudesse utilizar poderes de teletransporte multidimensional  para dirigir  para fora das limitações de uma TV, transportando  para o  próprio planeta Terra como Tiamath - o dragão do caos - . Algo que deu extremamente errado já que  desde então esta aprisionado no Universo 75.


Agora ano de 2096 Tiamath é um jovem homem negro  com  dois  metros de altura,  força física descomunal  e pele  praticamente intransponível. Possui cinco cabeças de dragão  que crescem ao  longo do  pescoço.  Cada cabeça com uma cor, cada cor representando uma habilidade.  A cabeça branca lança raios congelantes, a cabeça verde lança uma nuvem de gás venenoso, há também uma cabeça azul que  lança energia em forma de raios e uma cabeça preta que lança ácido, por fim,  existe a   cabeça  de dragão vermelha, que  é a única que fala  e  lança labaredas de fogo. 



Acima  das densas nuvens nubladas que cobrem as cidades do Hellcôncavo, fora dos limites da visão humana,  mais especificamente a 12 mil metros de altitude erguem-se a quilômetros de distância cidadelas flutuantes altamente tecnológicas. São ultralopoles  suspensas por poderosos geradores movidos a base de energia nano-nuclear, seus moradores são a elite branca dirigente e, seus imediat@s  linhas auxiliares. 


As cidadelas flutuantes são o que há de mais avançado nas concepções de cidades do futuro, onde natureza, urbanidade e  produção agroecológica andam perfeitamente em confluência com o fluxo urbano. Todo esse cenário de uma urbanidade utópica é  interconectado através de um cotidiano atravessado por  ultra tecnologias,  como a robótica, inteligência artificial,  nanotecnologia, ou mesmo a produção de circuitos e dispositivos eletrônicos para  melhoramentos genéticos no próprio corpo humano. No entanto, essas  cidadelas flutuantes: o Éden dos brancos -  verdadeiras utopias tecnológicas -  se mantêm suspensas no ar há quilômetros de distância  através de seus poderosos geradores de energia gravitacional  que despejam uma espessa  fumaça acinzentada na zona de convergência intertropical  onde a maioria das nuvens se formam.


Quilômetros  abaixo das  Cidadelas flutuantes  formaram-se  um verdadeiro “aglomerado”  onde a população negra  amonta-se em bolsões de pobreza, morte e violência estrutural. As  Zonas da Morte  são os territórios onde ficavam as antigas cidades de Cachoeira,  São Felix, Maragogipe , Cruz das Almas , Santo Antônio de Jesus , São Felipe e Amargosa  ou pelo menos o que restou delas. 


Nas Zonas da Morte pessoas negras são de sobremaneira sujeitadas a mortes violentas, condições de pobreza crônica, encarceramento em massa, desemprego desproporcional, mortes prematuras, doenças facilmente previsíveis e um conjunto vasto desigualdades no acesso à educação, saúde, lazer e condições básicas de sobrevivência. 


É nesse território  distópico  que Timath O dragão de Cinco cabeças e seu parceiro Kalado, estão  fumando um baseado encima de uma laje em construção  na periferia  da cidade “heróica”, mais especificamente no Alto do Cucuí de Caboclo.  Do alto da laje  conseguem ver a cidade quase por completa. Até onde a vista alcança morros cobertos por um  aglomerado caótico de  prédios que variam de  dois  a cinco andares, a maioria  ainda em alvenaria de tijolos vermelhos,  com telhados equipados com placas de energia solar. 


Mais ao longe no centro da cidade podem ver os escombros  do conjunto  arquitetônico   barroco colonial, com casarões, sobrados, igrejas e irmandades religiosas. No entanto, se a tempos atrás essa parte da cidade era roteiro turístico, ou mesmo a morada da elite branca colonial Cachoeirana, hoje o centro da cidade é um território habitado pela escoria social, um território sem lei, onde a maioria dos casarões foram ocupados por bandos de insurgentes que não respeitam as leis dos brancos, muito menos dos pretos. 


O curso  serpenteado do rio Paraguassu que dividia as cidades  de Cachoeira e São Felix está quase  totalmente seco, pois a Barragem da Pedra do Cavalo  foi completamente privatizada, de modo que se antes sua principal  função era o  abastecimento de água do Recôncavo Baiano,  assim como da região metropolitana de Salvador, agora todo o potencial hídrico é empregado para o abastecimento do agronegócio e para o consumo da elite branca das cidadelas flutuantes. A pouca água que brota de frestas das comportas da antiga usina da Pedra do Cavalo desce em filetes  em direção ao  Rio Paraguassu que foi totalmente  ocupado por favelas formadas de palafitas, que erguem-se sobre o  lamaçal de esgoto e mangue que se tornou as águas do rio. 


Tiamath  observa tudo  do alto da laje. A ganja expande seus sentidos, e a medida que dá outro  trago no baseado  balbucia algumas frases soltas:


- Quando no alto não se nomeava o céu,

e em baixo a terra não tinha nome,

quando nenhum dos deuses

tinha sido chamado a existência ...

Tiamath emergiu cuspindo fogo


Antes que possa terminar seus versos e tragar mais um pouco do baseado Tiamath é   interrompido:


-  Você fala pra disgraça. Quis ideia da porra. Passa o baseado ai no máximo respeitinho cêru.


 Esse que fala rispidamente enquanto pega o baseado abruptamente é o parceiro  Kalado, ele tem a pele preta como asfalto, dentes brancos como a neve,  cabelo cortado na régua. Veste  bermuda  de surf da Seaway, uma camiseta  regata modelo americano e um tênis tão branco quanto seus dentes. Todo esse  “arsenal”  visual combina  com o tom prateado de  seus braços feitos de implantes  biônicos de polímeros de  titânio. 


Esses braços biônicos são virtualmente indestrutíveis, possuindo circuitos de nanotecnologia  que se auto regeneram caso danificados. O  mecanismo é  conectado  diretamente  há um exoesqueleto integrado a sua coluna vertebral, bem como , ao sistema nervoso central, possibilitando ao usuário  sentidos hiper aguçados,  correr mais rápido que qualquer ser humano, saltar enorme distâncias, escalar praticamente qualquer terreno, além do aumento descomunal da força física possibilitando carregar ou destruir objetos pesados com facilidade.   


Kalado dá mais três tragos no baseado e,  antes  que possa continuar a “carburar”, a cabeça de dragão de cor preta intercepta o baseado que esta quase  na última ponta. Com agilidade Kalado solta o baseado antes que tenha sua mão metálica abocanhada.  Depois que a cabeça de dragão de cor preta traga o baseado,  a cabeça de cor vermelha começa a  falar,  ao mesmo tempo em que com uma das mãos Tiamath guarda em sua Shoulder Bag da marca Universo 75 um  pequeno  bloco de notas:


 - Como já te disse cêru  esse bloco de notas  é o esboço de um  livro de memórias.  Escrevo pra não enlouquecer. Você é um ignorante! não entende que muitas vezes as memórias se misturam e  fico em duvidas sobre quem ou o que sou? . Você sabe que sou...


- Já sei porra!, “Tiamath o Dragão de cinco cabeças”  –   Kalado fala com um tom irônico enquanto faz sinal de aspas com as mãos:


 - Da pra ver literalmente em sua cara. Ou melhor, nas suas caras, que por sinal uma delas quase arranca uma de  minhas mãos por causa de uma ponta de baseado.


-Foda-se! Vamo sair fora!!


Antes mesmo de terminar de falar, Kalado  salta  com facilidade sobre-humana do alto da laje de quatro andares rumo ao solo. Depois que “pousa” , olha pra cima do parapeito onde  Tiamath  permanece sentado de cócoras; como um gárgula:


-Bora mô fio! vamo sair fora  que já anoiteceu e o Studio uma hora dessas deve ta lotado. 


    

                         

As ruas de paralelepípedo do Cucui de Caboclo estão cheias de pessoas pretas vestidas de branco carregando balaios transbordando  de pipoca. É mês de agosto e os poucos terreiros de candomblé que restaram em 2096  estão realizando obrigações para o Senhor da Terra: Obaluaê.  


Uma pequena multidão vestida de branco está concentrada no entorno de um  enorme terreiro de candomblé construído a séculos no cume do Cucui de Caboclo. Do  lado de dentro pessoas entoam cânticos ancestrais, tocam atabaques, Gans e dançam incorporadas por divindades de origem africana. São aproximadamente oito horas da noite de um sábado, as ruas  estão molhadas pela chuva que caiu nas últimas horas , o céu esta nublado e  um mormaço claustrofóbico toma conta da atmosfera. 


Depois que passam pela pequena multidão em frente ao terreiro seguem sua caminhada rumo ao seu destino. A medida que descem as ladeiras do Cucui de Caboclo os sons dos atabaques e cânticos ficam mais distantes e as ruas de paralelepípedo  precariamente iluminadas com postes de luz amarelada   estão   quase completamente vazias. 


As cinco cabeças de dragão estão sempre atentas, movimentando-se como serpentes, olhando para todos os lados, as vezes sibilando levemente. Tiamath e Kalado caminharam por cerca de vinte minutos por becos, vielas, ladeiras intermináveis e ruas escuras chegam  em uma pequena vila  com cerca de trinta casas  visivelmente abandonadas. Todas as casas  – exceto uma -  estão sem portas, janelas ou mesmo telhado. Ao centro dessa vila forma-se uma espécie  de  pracinha com as ruínas do que já foi um parque infantil e uma quadra de futebol totalmente esburacada.


A única construção que não parece estar abandonada  é um prédio de cinco   andares ainda na alvenaria com um enorme portão de aço daqueles que se arrasta pro lado. Todas as  janelas do segundo ao quarto andar estão emparedadas , somente o quinto andar possui janelas de vidro fumê  do tamanho de portas. No teto em formato de laje  há duas placas de energia solar com cerca de 50  metros, além de um par de  torres de vigilância armadas com metralhadoras automatizadas calibre .50 , com mira lazer e munição  capaz de atravessar carros blindados, derrubar drones armados  e transpassar o corpo humano como se  fosse feitos de papel. 


Quando Tiamath e Kalado  aproximam-se   do portão percebem um painel led do tamanho de um tablet com um leitor de retina. Kalado  encosta seu olho esquerdo – que por sinal também é um artefato biônico, tal qual seus braços - segundos depois as armas automatizadas destravam as miras lazer, ao mesmo tempo em que o portão de  aço fundido de aproximadamente cinco metros começa a abrir remotamente.


Entram no prédio.



O  andar térreo  é um de deposito  de materiais de construção. Centenas de  sacos de  cimento ,  latas de tinta e  barrotes de madeira estão empilhados desordenadamente pelos 200 metros quadrados do deposito. Na parte de traz, próximo a uma pilha de barrotes de madeira  há duas portas, uma que leva a escadaria  que da acesso aos outros andares do prédio.  A outra   porta é do elevador de carga. O  elevador possui apenas uma alavanca bem rudimentar: pra direita desce, pra esquerda sobe. 


- Fui dar um mijão!  – anuncia Kalado enquanto sai de uma pilha de cimentos balançando o pau preto com as mãos metálicas   - 


Depois que Kalado entra no elevador Tiamath aciona a alavanca. Enquanto estão subindo rumo ao quinto andar já podem escutar o som dos timbres dos beats.


...


Depois de quase um minuto subindo rumo ao quinto andar as portas do elevador abrem-se,  Tiamath e Kalado chegam ao  lendário Studio Clandestino  Vortex. A proposta do Studio/Selo Vortex  é  formar novas gerações de produtores-as de música digital centrada em rap, sobretudo,   jovens pretos que tem atuado como articuladores culturais nas Zonas da Morte.  Através de um de seus programas clandestinos  comunitários, o Laboratório musical , o  Vortex  Studio tem ramificado e consolidado  um espaço de formação e criação que tem batido de frente com as políticas supremacistas normatizadoras  do Shogun Hype. 


O Studio clandestino Vortex tem uma peculiaridade, pois é um equipamento  móvel  multidimensional que nunca esta no mesmo local por mais de três meses. Todo equipamento é uma espaçonave interplanetária multidimensional  com  capacidades metamórficas e de manipulação do espaço-tempo, podendo assumir diferentes formas, seja um prédio de cinco andares ou  uma casa  pequena de telhado de Eternit. No entanto, onde quer que o Studio Vortex é instalado, sempre possui a mesma estrutura  tecnológica e proporções internas.


O espaço interno do studio Vortex é totalmente diferente do prédio foi visto  do lado de fora. Fora as torres de vigilância equipadas com P.50, assim como as  placas solares, nada no prédio semi abandonado daria indícios do nível de tecnologia, sofisticação e bom gosto que Tiamath e Kalado  se deparam  quando saíram do elevador de carga para dentro do Studio.


A sensação  é que literalmente foram teletransportados para um outro ambiente geograficamente e molecularmente falando. Se no térreo do prédio havia  uma depósito de material de construção , agora o ambiente é  um Flat  de  500   m², com  três paredes de tijolos  vermelhos novaiorquinos expostos, revestimento no teto de madeira de lei  original,  além de uma luz natural que vem de um paredão de oito janelas  de 20 x20 que  tomam toda ala esquerda do Studio.  Surpreendentemente  as janelas mostram uma vista de outro ângulo da  cidade de Cachoeira, mais especificamente é como se Tiamath e Kalado estivessem a pelo menos cinco mil metros de altura observando a cidade de uma aeronave. Do alto podem ver  os desenhos da iluminação  da cidade, além de uma região serpenteada, um pouco menos iluminada, que são as favelas de palafitas que se estendem pelo antigo curso rio Paraguassú. 


Na parte central do Studio  estão disposta três enormes mesas retangulares de madeira nobre formando uma espécie de triângulo . Encima das mesas existe  uma infinidade de equipamentos de produção de musica digital  todos amplamente interconectados, são  sintetizadores, teclados Midis, baterias eletrônicas, Machines,  MPCs, programadores de baterias, teclados das mais variados tamanhos, placas de áudio, notebooks e quatro monitores de áudio de 30 polegadas HS Classe Alfa. 


Envolta das mesas estão posicionados beatmakers, cada um/a produzindo beats com fones de ouvido de alta resolução, utilizando computadores ou samplers . Muitos desses beatmakers possuem implantes cibernéticos nos braços, olhos, peitoral , assim como, estão conectados a seus computadores/samplers  através de cabos  que saem diretamente de implantes cibernéticos.  Enquanto uma parte trabalha  silenciosamente produzindo beats  com fones ouvido,  um beatmaker sempre esta  apresentando uma batida recém produzida  acoplando seu equipamento no par de  gigantescos monitores de áudio de 30 polegadas HS Classe Alfa. 


Além dos beatmakers há também cerca de 150 pessoas espalhadas pelos  sofás de couro, no bar da cozinha americana e aglomerados em circulo em torno do setup de produção . Há também rodas de freestyle que se formam  em variados pontos da extensão do Studio, sobretudo, mais próximo de onde esta posicionadas os tripés que sustentam os monitores de áudio. Essas rodas de freestyle são formadas  pelos mais variados “ seres” do Universo 75. Todos/as jovens negros/as , ainda que alguns não sejam mais tão humanos. São  Ciborgues pretos/as , mutantes , exilados interplanetários, Trolls e até mesmo viajantes alienígenas.  Com o avançar da noite permanece apenas uma roda de freestyle   que esta cercada por uma audiência em frenesi que  grita em furor: "Mata ele! Mata ele! Mata ele!   Mata ele!" Os beatmakers seguem disparando uma batida , após a outra, enquanto a audiência  em permanente êxtase , forma um círculo em torno dos Mc's, que rimam ininterruptamente, mesmo quando eventualmente o beat para de tocar.  


Dos  Mcs que continuam a rimar freneticamente  um se destaca:  Big Troll, que é um dos integrantes da MOOB DA DISGRAÇA.  A MOOB  é um coletivo de insurgentes super humanos que tem se destacado como  a última linha de autodefesa contra a mediocridade musical do império fonográfico Shogun Hype.  Cada integrante da MOOB possui características   sobre humanas bem distintas, alguns nem mesmo são do planeta terra. O Abominável Big Troll, por exemplo,  é um dos sobreviventes da explosão de uma usina  de  processamento de lixo tóxico, que literalmente varreu do mapa todo um bairro de SAJ SYSTEM, matando milhares e , modificando a composição genética de centenas. Big Troll é um desses “modificad@s” , possuindo cerca de três metros de altura,  força sobre-humana, pele esverdeada, garras , dentes afiados e uma extrema resistência ao álcool. No entanto, outro efeito da exposição ao lixo radioativo  foi a manifestação de um grave transtorno dissociativo de identidade (dupla personalidade) , que é materializado através do alter-ego Mestre Bêbado. 


O Big Troll é um fragmento da versatilidade criativa e pericia rimática d@s Mcs  que compõem   a MOOB DA DISGRAÇA . Big Troll  é literalmente “ Abominável”, uma “ besta fera” , um “monstro”  na arte do ritmo e poesia,  hibridando  métricas aparentemente contrarias dentro de uma variedade quase caótica de Speed Flows que o dispara com a mesma naturalidade  com que muda de personalidade em uma mesma música, ou mesmo verso,  uma espécie  “dueto” entre Big Troll e a manifestação vocal de seu transtorno dissociativo de personalidade: o Mestre Bêbado. Tiamath apenas observava a carnificina rimática sentado em um dos grandes sofás de couro  do Studio Vórtex.  Em suas mãos ele aperta um baseado e logo depois a cabeça de dragão Azul passa a língua pra dar a cola. Quando  baseado está apertado a cabeça de dragão vermelha dispara um filete de fogo pelo nariz como se fosse um maçarico. Com o baseado acesso, cada uma das cinco cabeças dão três tragos e soltam  a fumaça  por suas narinas.  


Depois de curtir a brisa alguns minutos  Tiamath Levanta do sofá, passa pela multidão que se aglomera em circulo em volta dos Mcs  e se dirige até as três mesas  retangulares onde   estão dispostas sintetizadores, teclados Midis, baterias eletrônicas, Machines,  MPCs, programadores de baterias, teclados das mais variados tamanhos, placas de áudio, notebooks e um clássico microfone  Shure SM57 conectado aos monitores de áudio. Tiamath empunha com firmeza o microfone Shure SM57 posicionando-o com sua mão direita  a poucos centímetros da cabeça do dragão vermelho :


- atenção ! atenção! Rappers aplaudem qualquer merda! 


A audiência do Studio Vortex  forma um círculo fechado entorno de Tiamath quando escutam sua voz no microfone Shure SM57 dizendo: "rappers aplaudem qualquer merda". Ao mesmo tempo a beatmaker Jocasta, uma rasta lutadora de Muay Thai  com implantes robóticos no braço esquerdo dispara um beat, antes mesmo de Tiamath possa sequer começar a rimar, a audiência vai a loucura.  Em meio aos gritos, assovios  e palmas, se destaca os brados euforicos  de Kalado: 


- Representa disgraça !!


Tiamath  não escuta seu parceiro Kalado pois esta em transe enquanto eleva a arte rimática há um patamar superior, combinando flows inimitáveis, métricas e letras disruptivas. Tiamath é um verdadeiro pensador  inquieto e artista divergente/insurgente rimando com grande originalidade e combatividade.  O fogo lírico do dragão de cinco cabeças  espalha novas direções criativas, mesclando sonoridades com conceitos amplos e originais, que vão da cultura pop à ancestralidade de matriz africana e perspectivas estéticas Afrofuturistas  que se recriam  em uma perspectiva polifônica em fluxos e contra fluxos de flows distópicos, que  combinados  aos beats  trazem uma atmosfera  polifônica de ritmos.


Tiamath segue cuspindo fogo em 2096. Já são cinco beats disparados pela Dj Jocasta e a  essa altura o  studio clandestino  Vortex já virou um  baile, não existe mais separação entre público, beatmakers  e Tiamath, é  sound system.  Tiamath empunha  o microfone Shure SM57  como se  fosse  uma espada . Todas as atenções do Studio Vortex estão voltadas para o dragão de cinco cabeças  que não se intimida ou muito menos se distrai com a euforia do público. Tiamath apenas dropa no beat e alça voos rasantes  enquanto cospe rajadas de fogo lírico incendiando o público, que em êxtase  repete o refrão em uníssono:


Meu manos não são niggas!!

Meu manos não são niggas!!

Meu manos não são niggas!!

Meu manos não são niggas!!

Meus manos não!!!!



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